Machonaria: 18 pastores expõem líder religioso após “sumiço” de R$ 500 mil
O movimento liderado pelo pastor Anderson Silva enfrenta uma crise após renúncia de um grupo que alega falta de transparência na instituição
atualizado
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O movimento Machonaria Confraria Nacional de Homens enfrenta uma crise institucional após um grupo de 18 pastores anunciar renúncia coletiva aos cargos no último mês. Em carta divulgada nas redes sociais, ex-líderes do grupo evangélico alegam que a decisão foi motivada pela falta de transparência e pela violação dos princípios da instituição por parte do presidente, o pastor brasiliense Anderson Silva.
O grupo evangélico tem abrangência nacional e é voltado para a formação de homens cristãos, com base em 40 códigos de conduta. Descrito como o maior movimento de masculinidade da América Latina, segundo o próprio pastor, o movimento já teria impactado e transformado a vida de mais de 10 mil homens nos quesitos espiritual, moral e familiar.
Os relatos apontam uma série de práticas irregulares, que, segundo os pastores, caracterizam má gestão dos recursos, confusão entre finanças pessoais e institucionais, e uso indevido de dados de terceiros para contratos e financiamentos.
Esta não é a primeira vez que o nome de Anderson está envolvido em polêmicas. Entre as principais, estão suas declarações consideradas machistas, como a afirmação de que mulheres têm “potencial demoníaco”. No campo político, também gerou controvérsia ao fazer orações pedindo a “quebra da mandíbula de Lula”, o que resultou em investigação da Polícia Federal.
A Machonaria foi criada em 2018, com a intenção de incentivar ações como resgate da masculinidade bíblica, liderança familiar, generosidade, combate à pornografia e envolvimento em projetos sociais. Todavia, o hub social do Machonaria, situado em Samambaia Sul, estaria no epicentro da polêmica envolvendo a renúncia dos outros pastores do projeto, sob a alegação de supostos desvios de dinheiro e uma dívida que chegou a R$ 500 mil em maio deste ano.
Veja fotos do local:
De acordo com informações disponíveis no site da Machonaria, o hub social embarca 33 projetos ativos, entre os quais constam ações para ajudar pessoas autistas, famílias em vulnerabilidade social, pastores em depressão e até “resgate de ex-transexuais”. Contudo, ex-líderes do movimento expõem que apenas cinco projetos estavam em operação atualmente – um deles é a Casa do John John.
Em uma entrevista concedida no ano ado, Anderson chegou a afirmar que, por intermédio da Machonaria, ele havia arrecadado mais de R$ 626 mil para custear os projetos sociais em 2023. A associação à Machonaria, movimento liderado pelo religioso, pode variar de acordo com o perfil do interessado. Os valores vão desde R$ 100 para membros individuais até R$ 1.000 para empresas ou igrejas.
O racha institucional envolvendo as lideranças e o pastor Anderson Silva teria se iniciado devido à falta de prestação de contas do dinheiro que entrava e saía do hub social Machonaria. O grupo alega que nunca teve o à conta bancária da instituição e que a única pessoa responsável por movimentar o dinheiro seria o presidente.
Segundo os pastores, o dinheiro que entrava nos projetos sociais era proveniente dos eventos promovidos pela Machonaria, além de campanhas, rifas, venda de bíblias personalizadas e cursos.
“Começaram a chegar várias cobranças: aluguel atrasado, ordem de despejo, contas de energia que não eram pagas. Nós, então, fazíamos um rateio entre nós mesmos para conseguir pagar a energia elétrica. Em nenhum momento cogitamos a possibilidade de que pudesse haver algum desvio. Mas essas questões de contas em atraso e falta de pagamento foram se acumulando”, detalha o ex-vice-presidente da entidade, Radamés Morais.
Os atrasos nos pagamentos de contas e de salários dos funcionários vinculados aos projetos sociais teriam se agravado no início deste ano, mesmo com a instituição supostamente tendo receita para arcar com as dívidas em aberto.
“Surgiram cobranças vindas de diversas partes do Brasil, de pessoas com quem o Anderson havia feito orçamentos de serviços em nome da instituição e que não foram pagos. A única conclusão à qual pude chegar foi: se ele não está pagando nem as contas da própria instituição e ainda acumula boletos de fora, então estamos lidando com alguém que compra e não paga — em outras palavras, um caloteiro”, alega o ex-diretor istrativo do hub social, Jhonny Alves.
Férias, impostos, contratos…
De acordo com o grupo de pastores, havia ainda férias vencidas de funcionários sem o devido pagamento, todos os impostos trabalhistas em aberto e até o contador da instituição enfrentava atrasos nos rees. No entanto, o presidente não atendia aos pedidos dos diretores para quitar os débitos.
“A instituição entrou em uma crise financeira grande. Tivemos que reduzir o quadro de funcionários e suspender as operações. A bola de neve foi crescendo até o ponto que dissemos que precisávamos criar um plano de ação e fazer uma projeção financeira para quitar esses débitos. A resposta do Anderson foi sair dos grupos da diretoria sem dar nenhuma satisfação”, expõe Radamés.
Dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) indicam, ainda, que a Machonaria está inscrita na dívida ativa da União com um total de R$ 49.672,29 em débitos pendentes. Os valores inscritos referem-se a dívidas tributárias e previdenciárias.
A renúncia coletiva do grupo aconteceu em 19 de maio último. Em suas palavras, a atual direção se afastou da integridade e da essência que fundamentaram a própria instituição.
“Isso que aconteceu fere não só os princípios do instituto, como também a moralidade de tudo aquilo que nós pregamos. Para nós, o prejuízo está sendo moral, está sendo da nossa imagem e ao que estamos sendo vinculados”, argumenta o ex-vice-presidente.
Na carta, os pastores expressam seu pesar pela saída do grupo, mas reafirmam que a decisão é um ato de lealdade à missão original da Machonaria. Eles consideram insustentável continuar em cargos de representação quando a transparência e a prestação de contas estão comprometidas. “Nenhuma missão, por mais nobre que seja, pode existir sem verdade”, declararam.
O ex-vice-presidente também expõe que, antes da renúncia, tentaram uma reunião pessoalmente com Anderson, mas que não foram recebidos pelo líder. Sem esclarecimentos por parte do presidente, o coletivo de pastores questiona o real destino do dinheiro aplicado nos projetos sociais.
Embora reconheçam que o projeto trouxe impacto positivo e tenha ajudado muitas famílias, os ex-líderes denunciam a estrutura da Machonaria e cobram por uma auditoria.
“Eu me sinto em luto. Eu entreguei toda a minha vida, tudo o que eu tinha, inclusive recursos financeiros, acreditando que era de verdade. O negócio é que está mais no discurso do que na prática”, desabafa o pastor Jhonny.
Diante do atual cenário de crise institucional, o pastor Anderson Silva anunciou, em suas redes sociais, a mudança do hub social Machonaria para o nome Instituto Família Silva. Para o grupo, a troca é vista como uma tentativa de se desvincular das dívidas e da repercussão negativa.
O outro lado
Procurado pela reportagem, o pastor Anderson Silva não se manifestou até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para futuros posicionamentos.